No Compasso da QuerênciaÉ no clarear manso da madrugada que a vida campeira se revela em seu silêncio sonoro, onde no estalar de fogo e cada ronco de mate contam histórias que o tempo não leva. O galpão, com suas sombras e lembranças, se torna palco de um ritual antigo, entre a prosa curtida e o cochicho da noite que ainda não se foi. No entrevero das horas escuras, o campo respira, no relincho dos potros, nos latidos da cuscada pela volta do rancho, e nos tinidos de esporas que riscam o chão como quem desenha tradição. Cada som, um verso; cada cheiro, um retrato. Tudo tem sentido, até o “grilito” solitário que, no seu canto, desafia a imensidão noiteira. Quando a vida desperta no arreio que range e no bufido do pingo, percebe-se que o tempo na querência não anda apressado: ele se arrasta lento como bois, respeitando o tranco da natureza e o saber do campeiro. As vozes, que se espalham como vento pelos corredores e invernadas, não gritam: sussurram a essência das origens. Cada acorde que se solta da guitarra crioula, de uma cordeona ou de uma garganta campeira carrega a memória de um povo que aprendeu a viver do que a terra dá e do que o céu permite. Tudo tem alma, do sussurro da sanga à cantoria dos pássaros, do berro do cordeiro à mansidão da vaca chamando a cria. Nada é por acaso. É a própria querência se manifestando, com sua ternura bruta e poesia rude. É a vida simples, mas cheia de sentido, se derramando em cores, cheiros e sons que só quem é de campo entende sem precisar traduzir. E quando o minuano assobia entre os galhos, trazendo no dorso o arrepio do tempo velho, parece ser a própria terra lembrando: enquanto houver cambona chiando no fogo e voz campeira no campo, a alma fronteiriça seguirá viva, livre e inteira. ...No clarear manso da aurora, o campo se faz canção, entre o mate e o fogo aceso, acorda o velho galpão. Nasce o dia sem pressa, com perfume de chão molhado e o vento leva lembrança de um tempo bem guardado.Relincha o pingo no potreiro, a cuscada responde, e a vida segue seu rumo, do jeito que o pago esconde. Entre o sussurro da sanga e o cantar da passarada, a alma do campo desperta, serena e apaixonada... ...