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Remendos da Alma
Por João Luis de Almeida
Remendos da Alma
No trotear dos anos, a gente vai campeando o que a vida deixa à mão. Uns sonhos firmam raíz, como pasto bem pegado em chão batido; outros se perdem nas distâncias, quedados e dormitam no fundo da alma, acordando só de vez em quando pra depois amansar de novo.
No meio da lida, aparecem tropeços sem explicação, desses que só aborrecem e deixam o peão meio cativo das próprias incertezas. Cada tirão do destino deixa marca, como se fosse um rasgo por dentro, e não resta outra coisa senão remendar, costurando a alma com paciência.
Talvez seja sina antiga, escrita entre o bem e o mal, sem escolha do vivente. O tempo, esse guardador lento, segue arrastado, cuidando das esperas e, de vez em quando, trazendo um acalento pras ânsias do coração campeiro.
Assim, a vida vai sendo remendada aos poucos, nas tentativas contidas, nas esperanças pequenas. E mesmo com as dores que a estrada impõe, vai-se amenizando o peso e se sonhando um amanhã menos sofrido, onde o pago seja de mais alegria que de tristeza.
No entanto, cada remendo carrega também sua beleza. Como o pelego surrado que, mesmo gasto, guarda a marca de tantas campereadas, a alma vai se moldando aos laçassos do tempo. Não há vergonha nas cicatrizes: elas contam histórias, mostram as lutas e ensinam o valor da resistência.
E talvez seja justamente aí que mora a tal riqueza da existência: não no viver sem tropicões naturais, mas no erguer-se depois de cada queda. A lida segue, o campo renova a pastagem, e o homem, feito parte dessa natureza bruta e mansa ao mesmo tempo, aprende a seguir sua caminhada. Sempre com fé no porvir e esperança de que os remendos da alma virem, um dia, costuras firmes que sustentem a vida inteira.
...Na lida cada tirão
Sujeita o meu andejar
Por dentro como rasgão
Onde tento remendar
Talvez uma velha sina
Não seja tão bendita
Entre boa e malina
Tenha vindo escrita
O tempo ao tranco lento
Guardador das esperas
Quem sabe um acalento
Para as ânsias do cuera...
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